Antes do “sono de Adão”, Eva estava dentro de Adão, portanto eles eram um só.
Gênesis, 2, 21 – 24.
A alegoria bíblica nos convida a compreender mais do mistério que envolve a polaridade masculina e feminina:
Eva, a mãe dos viventes, iniciou sua busca de Sabedoria, de discernimento do bem e do mal, influenciada pela mente da serpente.
A serpente simboliza a astúcia, a malícia, mas também a Sabedoria e a Cura.
A Nova Mulher desenvolveu a Sabedoria, conhece o bem e o mal e assim esmaga a cabeça da serpente: possui dentro de si a luz do conhecimento e não se deixa influenciar.
Mas essa trajetória tem um longo caminho…
Naquela bela tarde de outono, caminhávamos pela bucólica trilha de terra. A luz solar dourava os campos e os sons dos pássaros preenchiam o doce silêncio de fundo.
Dani e eu somos amigas há muitos anos. E nossa afinidade de alma traz aquela paz que só se conhece quando a confiança existe.
Sentamos sobre a relva e deixamos que o silêncio sonoro, o silêncio da união aquietasse nossos corações.
Apenas contemplávamos a bela tarde que nos abraçava com sua luz.
O mistério da vida se fazia presente.
– Dani, em que você pensa?
-“No início de tudo. Em Adão e Eva. No que significa “o homem foi criado à semelhança de Deus.
E nas situações que vivemos hoje, 2020, em meio a essa pandemia que modificou a vida em nosso planeta de forma a afetar tão profundamente as relações humanas.”
– “Esse é um assunto que merece uma possível explicação que envolve um passeio pela história da nossa civilização,” eu disse.
Usei a palavra passeio porque não quero entrar em questões dogmáticas, rígidas, engessadas.
Busquei vários conhecimentos, em várias vertentes.
Segundo a Cabala, estudo baseado no Antigo Testamento, Adão representa toda a humanidade.
Simboliza que todos somos UM.
Eva portanto estava também dentro de Adão, era parte de Adão.
-“Posso pensar que a Fonte da Vida, Deus, quis conhecer mais a si mesmo ao separar Eva de Adão?”
Durante o sono de Adão, de suas costelas, ele cria Eva. E Eva representa a Mãe de todos os viventes.
“Não é bom que o homem esteja só; farei para ele alguém que o auxilie e lhe corresponda”. Gênesis, 2 – 18
Então o Senhor Deus fez cair um sono pesado sobre Adão, e este adormeceu; e tomou uma das suas costelas e fechou a carne em seu lugar; 22 E da costela que o Senhor Deus tomou do homem, formou uma a mulher, e levou-a a Adão. Gênesis 2:22.
De sua costela. O que envolve as costelas? As partes nobres de nosso corpo: os pulmões responsáveis pela respiração. O ar está em toda parte, assim como Deus.
E o coração, o órgão símbolo do Amor.
-“Então Eva é o coração de Adão?”
Preciso explicar: esse é o maior mistério.
O coração em muitas culturas é considerado a sede da alma.
Ao criar Eva, o Um torna-se Dois.
E uma nova etapa se inicia no projeto do Universo chamado Vida.
Na história simbólica que conhecemos, precisamos incluir que “tudo está em continua mutação”, viver é estar se modificando junto com a Vida.
E que “ninguém entre em um mesmo rio duas vezes: as águas já não serão as mesmas.“
Portanto, devemos pensar não em um retrocesso, mas em novos resultados a partir da experiência de “dividir” Adão, criado à imagem e semelhança de Deus, em 2.
No final dessa história, Eva deve adquirir a capacidade de equilibrar mente e coração, assim como Adão, que também precisa sentir esse equilíbrio dentro de si.
Dois seres inteiros, não duas metades.
Livres, autossuficientes e conscientes da interdependência que temos cada um de nós do Todo Maior que nos envolve, sustenta e mantém. Dignos e humildes diante dessa grandeza da qual fazemos parte. Conscientes dessa verdade.
Essa é a grande reconciliação entre Adão (masculino) e Eva (feminina) e um novo início para a civilização humana.
Muitas coisas serão possíveis a partir da reconciliação dos opostos do masculino com o feminino.
Diante disso, precisamos repensar a forma de entendermos o que é amor.
Quais as diferenças entre sexo e amor?
E preciso reconhecer e separar as emoções que tantas vezes confundimos com amor, esse fogo da alma que arde sem se ver, que alimenta nosso viver, que nutre nossa alma, e consequentemente, nos permite apreciar toda a magia que é estar vivo.
Amor, para ser chamado de amor, nasce da alma, de uma admiração mais profunda, de um respeito pelo mistério do outro que nos abre novas possibilidades e enriquece nossa vida.
Gerar amor é ter conquistado este estado dentro de si, e buscar manter-se nele.
É como um doce orgasmo, como uma chama que arde que nunca se apaga e que nos faz viver no tempo sempre presente…
Algumas pessoas podem nos facilitar a conquistar esse estado, e creio mesmo que sem a experiência que alguém possa nos trazer, e que podemos levar a essa pessoa, em um estado de comunhão cósmica, dificilmente podemos atingí-lo.
Já a energia sexual é um instinto, uma energia em estado “bruto” que precisa ser trabalhada até transcender e nos tornar Um, integrando nossa personalidade no Todo Maior.
Assim, quando nossas emoções são imaturas, podemos confundir – e com frequência confundimos – o desejo (passageiro) com amor. Porém o amor verdadeiro é um sentimento que só aumenta com o tempo, ao contrário do instinto, que quando satisfeito, perde seu interesse, seu “amor”.
A pedagogia da vida nos mostra que é natural que seja assim: quando na adolescência os hormônios provocam mudanças em nosso corpo, nos sentimos confusos em relação às experiências e aos estados que podemos experimentar em relação às emoções que algumas pessoas provocam em nós.
Emoções imaturas são traiçoeiras: quantas vezes “pensamos” com o corpo? Com as carências que carregamos fruto de situações dolorosas? Ou ainda de memórias ancestrais que nos habitam desde que nascemos?
Por isso, a grande cura que nos faz transcender é a certeza através das sensações vividas em nosso coração de que somos plenamente amados.
Nós somos seres imperfeitos, dificilmente podemos dar essa certeza em nossa humanidade de forma constante.
Então, é na busca de algo maior que nós mesmos, na busca da realidade última, no mistério que repousa em nosso ser essencial e desperto que podemos encontrar essa certeza de que o Amor nos amou primeiro…
Amor é doação prazerosa, um resultado de um bem-estar profundo. Só quem está bem emocionalmente, sem carências, pode de fato amar. Porque amar é emitir uma energia suave, benéfica, acolhedora. Se eu tenho questões não resolvidas dentro de mim, como insegurança, falta de auto-estima, vou projetar no outro esta falha, produzindo momentos de tensão, de descargas emocionais negativas, não de amor. Porque amor verdadeiro está acima dessas situações.
Já a palavra sacrifício nos lembra obrigação. E obrigação é algo que se tem que fazer, mesmo sem vontade. Senão… seremos cobrados. A harmonia pressupõe pessoas que estão de acordo, de coração, e não que se sacrificam uma pela outra. Então, vemos que quando fazemos algo sem vontade, ou de má vontade (a palavra má-vontade já diz tudo!) sem estarmos interessados em fazer, o Amor já foi embora, faz tempo… E ainda dizemos que o fizemos por amor… O Amor é justamente o que dá colorido a tudo, tornando tudo leve e suave.
A grande questão, que está submersa dentro de nós, é nossa real capacidade de conviver harmoniosamente com o masculino e feminino dentro de nós, questão essa originada na forma como nos relacionamos com nossos pais, nossos primeiros modelos.
Então, vemos que uma coisa é amar em sentido amplo, cósmico, diminuindo a injustiça no mundo, nos doando às vezes pelo Reino da Justiça, e outra o amor entre o casal, que deve ser o oásis no meio de um mundo que ainda não sabe amar.
Adão e Eva se tornam então dois seres inteiros, não mais metades de uma laranja, como se pensava.
Na harmonia essencial entre o Masculino e o Feminino
Reside o mais profundo segredo de nosso estágio de vida humana.
Essa reverência ao mistério reconcilia os opostos e enriquece nossa essência.